Namoro foi feito para terminar: ou termina no altar ou porque não deu certo.
Você deve ter ouvido essa frase por aí, ela é bastante repetida em perfis que abordam relacionamento e desenvolvimento pessoal.
Ela não está errada, de fato, o namoro é a antessala do casamento, é a preparação para o “sim” que você dirá à outra pessoa.
É no namoro que, em tese, deveríamos observar o que somos capazes ou não de tolerar na outra pessoa; se, de fato, temos saco para aguentar o pior defeito dela até que a morte nos separe; se ambos pretendem ou não ter filhos; se ambos comungam dos mesmos valores; se perdoarão falhas e ofensas sem ressalvas.
No entanto, os tempos mudaram, o namoro saiu da antessala e adentrou no cômodo principal. Na época em que meus pais eram jovens, você namorava e só depois juntava as escovas de dente; agora, porém, já namoramos e juntamos as escovas de dente.
E qual é o problema disso?
O problema é que, pelo fato de termos perdido essa noção de que o namoro foi feito para terminar, compartilhamos o mesmo teto e não assumimos aquilo como um casamento. É como se o namoro tivesse virado aquele cômodo estranho e desconfortável em que você não sabe se deve sentar ou ficar em pé.
Esses tempos, inclusive, um colega me disse que estava morando junto com a namorada, e eu o corrigi:
- Namorada não, né. Tá dividindo o mesmo teto, casou.
- Não, não. É namorada.
Pra mim, a treta já começa aí.
Veja: não tem nada a ver com fazer festa de casamento ou não, mas com um estado de espírito – estado esse que o meu colega não incorporou. Conheço casais que não fizeram festa ou qualquer voto público, simplesmente foram morar juntos, mas que estão comprometidos até o fio de cabelo um com o outro, “na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe”.
São pessoas que entenderam que casamento é entrega e que não existe “e se…”.
Como assim?
E se ele(a) me trair…
E se ele(a) mentir…
E se ele(a) ficar doente…
E se ele(a) não me quiser mais…
E se ele(a) não quiser ter filhos…
Quem sai do namoro e entra no casamento deveria “ler e declarar que concorda” com todos os “ e ses…” que surgem, não porque a outra pessoa não nos abandonará, trairá, etc., mas porque ambos entenderam que o amor não é como um produto que tem garantia, o amor genuíno é capaz de superar adversidades e até mesmo de aceitar, não sem sofrimento, que o outro tem a liberdade de não nos querer mais.
Afinal, qual é o objetivo de transformar o namoro em casamento se não for para entrelaçar e se entregar de corpo e alma? Sem isso, vale mais cada um ficar no seu canto vivendo um eterno namoro.
Se, por exemplo, você não suporta a ideia de ser traído e sabe que, sem dúvida alguma, terminaria o casamento por esse motivo, concorda que não faz sentido casar com aquela pessoa?
– Mas, Bianca, se for assim ninguém casa, todo mundo tem um limite de tolerância.
Eu concordo com você, todo mundo tem um limite. Por esse motivo você deve ter autoconhecimento suficiente para saber quais são os seus e, ao namorar uma pessoa, observar se ela extrapola ou não esses limites além do que você é capaz de suportar. Vá por mim, muita coisa é observável num namoro.
Darei meu exemplo pessoal: não suporto pessoas avarentas e jamais casaria com um homem que divide tudo na pontinha do lápis e que fala “o meu dinheiro” e não o “nosso dinheiro”. Eu trabalho, adoro o senso de utilidade que o trabalho proporciona e faço o meu dinheiro, logo, não falo isso porque quero viver encostada, mas pelo seguinte: e se eu ficar doente e não puder trabalhar? E se tiver um filho e, profissional autônoma que sou, não der conta de tudo e suspender meus contratos? Esse homem vai me ver como um fardo? Vai olhar pra minha cara e ver cifrões saindo da conta dele?
Esse é um “e se…” observável em alguns encontros e no namoro, não é mesmo? Ciente disso, qual é a probabilidade de eu juntar escovas de dente com um homem que dividiria o valor da pasta de dente comigo? Zero.
Mas o que tenho observado é que a frase do namoro tem sido mal interpretada pela pressa dos apaixonados. Vamos combinar, você que me lê já é bem grandinho e sabe que a paixão nos deixa temporariamente cegos, tudo de que precisamos durante essa fase é “de um amor e uma cabana”. Os apaixonados, na ânsia de viverem juntinhos, logo resolvem acabar com o namoro, aceitam os termos de uso sem lê-los e resolvem viver juntos.
Se você que me lê passou por isso, entenda, não é um julgamento, mas apenas a observação da realidade. Se você viveu junto com alguém e por alguma razão o que era pra ser laço virou nó, eu sinto muito. Apesar de não ter passado por isso, só de imaginar uma separação – os pertences encaixotados, as fotos deletadas, os planos interrompidos – meu coração aperta.
E talvez agora você se pergunte onde quero chegar.
In medio stat virtus.
A virtude está no meio, diz a ética aristotélica, isto é: “a ação virtuosa, ou moralmente boa, diz-se estar ‘no meio’ relativamente a todo e qualquer extremo ou excesso que, precisamente por o ser, a impediria de ser boa”.
O namoro foi feito para acabar? Sim, ou acaba no altar porque você viu que é capaz de superar os “e ses…” ou acaba no bar desabafando com os amigos que não foi capaz de suportar aqueles defeitos.
Porém, não precisa transformar esse namoro num casamento em semanas ou meses, sob pena de transformá-la num excesso que, no longo prazo, de virtuoso não tem nada.
Há um trecho da música do John Mayer, clique aqui para ouvi-la, que diz o seguinte: “who do you love? Me or the thought of me?”.
Eu acho que esse trecho pode nos ajudar a alinhar expectativas e achar o meio virtuoso para acabar o namoro, seja no altar ou no bar.
Uma ótima semana pra você.
Excelente: escrita e conteúdo! Virei leitor fiel já...