No dia 07 de abril, às 2:31 AM, nasceu meu filho, Antonio, motivo pelo qual a Carta Branca ficou realmente em branco.
Durante este período percebi que ganhei alguns leitores que talvez nem se recordem de que assinaram esta newsletter. Se você é um deles, seja bem-vindo, a Carta Branca é uma newsletter “sobre tudo – menos o que importa”,uma ironia, já que ninguém é bobo de gastar tempo e energia escrevendo sobre algo que não desperte o mínimo de interesse. Este foi o meio que encontrei de escrever sobre temas variados sem precisar me enquadrar em alguma profissão ou nicho – leia minhas publicações anteriores e você compreenderá o que quero dizer.
Agora, porém, sou mãe de primeira viagem, meu tempo é escasso porque ainda estou descobrindo como cuidar de uma criança, logo, a escrita ficou temporariamente em segundo plano.
Quando me sobra tempo consigo sentar à mesa, contemplar minha mini espada-de-são-jorge à esquerda e minha luminária emeralite à direita, um momento só meu que sempre considerei especial, contudo, nesta nova fase da vida se tornou um luxo, já que é impossível, com um bebê de dois meses e poucos, passar 3 ou 4 horas escrevendo ininterruptamente.
E esse tempo escasso me fez lembrar da minha infância e de como eu demandava a presença da minha mãe. Antes de nos mudarmos para uma casa, morávamos num apartamento e eu passava o dia com ela, que deixou sua vida profissional para cuidar da família.
Minha mãe não parava, raramente a via sentada ou deitada fazendo “nada”, até o seu descanso era ativo, pintando ou costurando, atividades de que gostava muito – a costura ela deixou de lado, mas até hoje pinta telas belíssimas à óleo. Nesses momentos eu costumava ficar embaixo da mesa brincando de Barbie ou sentava ao lado dela para desenhar, ou seja, a coitada não tinha sossego.
Quando ia ao banheiro, ela deixava a porta entreaberta porque eu não queria ficar “longe” nem por um segundo. Às vezes a desobedecia e entrava com um algum brinquedo e falava, “Não tô olhando, mamãe”, mal podendo fazer suas necessidades em paz.
Ao me tornar mãe confirmei na prática o que já sabia na teoria: que não existe mais o meu tempo, existe o nosso tempo. Isso não significa que eu ou qualquer outra mãe não possa sair para ir à academia ou ao salão, e sim que essas coisas precisam ser feitas não na hora que queremos, mas na que podemos – pelo menos nesse início.
Foi aí que passei a entender uma frase corriqueira da minha mãe: “Agora vou tomar o meu banho”. Perceba que não se trata de apenas tomar um banho, há um pronome possessivo que dá a esse ato de higiene pessoal uma ênfase que anuncia que esse ato de higiene pessoal é um momento dela e de mais ninguém; o box do banheiro torna-se um universo à parte em que há liberdade para se distrair; os olhos podem encarar os azulejos despreocupadamente, os ouvidos podem se contentar com o barulho d’água ou com o arroto do ralo, o pensamento pode transcender as fraldas e vaguear livremente pelos seus interesses.
Regra geral, nós, mulheres, ao contrário dos homens, não conseguimos sentar e relaxar enquanto há pendências domésticas: se estendemos a roupa, logo queremos guardar a que estava seca no varal; se lavamos a louça, logo queremos secá-la e guardá-la; se vazou xixi na fralda do bebê, escovamos os dentes com pressa para trocá-la. Não é uma reclamação, mas uma constatação, já que meu marido faz todas essas coisas, contudo, no tempo dele, sem pressa – o que, confesso, me enlouquece e ao mesmo tempo me causa inveja.
Portanto, só um lugar da casa é capaz de, ao mesmo tempo, nos prender e nos libertar: o box do banheiro. Cercadas por azulejos, com o chuveiro ligado, minha mãe, eu e outras tantas mães estamos impedidas de olhar para a cama desarrumada, a louça na pia ou a fralda cheia de xixi, somos forçadas a sossegar e a cuidar de nós mesmas.
Talvez seja essa a razão pela qual a minha mãe tratava de usar o pronome possessivo quando a hora do banho se aproximava, inconscientemente ela estava dizendo a si mesma – e a nós também – que aquele era o momento de deixar tudo de lado, de usufruir dessa espécie de “recompensa” depois de um dia atarefado. Apesar dessa dedicação integral ao cuidado da família, nunca a vi praguejando contra sua escolha, nunca a ouvi afirmando que deveria ter escolhido a carreira ou que voltaria atrás, aliás, minha mãe é tão decidida quanto uma faca afiada que, sem hesitar, corta com precisão.
Como filhos, muitas vezes esquecemos do que nossas mães abriram mão para cuidar de nós, na verdade, sequer paramos para refletir que elas também têm sonhos, desejos e aspirações porque tendemos a enxergá-las somente como alguém que nos dá o próprio corpo e o próprio tempo. Como mãe, sinceramente não espero que meu filho me veja de outra forma, há um prazer inexprimível em doar-se pelos nossos rebentos; contudo, como filha, meu coração aperta quando paro e penso no que minha mãe abriu mão por minha causa, da fatia de bolo que deixou de comer para me dar, das coisas que deixou de comprar para si para me presentear, das viagens que deixou de fazer porque os boletos do colégio pesavam, dos nãos que disse a si mesma para dizer sim à minha existência.
Esta newsletter começou a ser escrita na semana do dia das mães, em maio, e eu pretendia publicá-la no domingo dessa data comemorativa, todavia, chegou a minha vez de negar meus desejos em prol desse novo ser humano e só agora, em junho, consegui conclui-la. Não vou mentir, até tive tempo livre para terminá-la antes, mas prometi que nessa fase não me cobraria muito, até porque escrever sob pressão é terrível.
O que importa é que, naquele box de vidro jateado do apartamento em que morávamos, minha mãe tomou seus banhos em paz, livre das cobranças que impunha a si mesma, das intermináveis tarefas domésticas e dos meus incessantes pedidos. Naquele pequeno espaço ela descansava, cuidava de si mesma e se recompunha para cumprir com o silencioso verbo que habita as verdadeiras mães: amar.
Eu deixando de lado as roupas que tirei do varal para conseguir ler a sua news. Não é mole não. Depois que me tornei mãe, também passei a pensar muito mais na vida da minha mãe. Ela sempre pareceu dar conta de tudo e, hoje, pergunto-me: a que custo? Custou uma grande fatia de sua própria vida. Não me lembro de ver a minha mãe lendo tantos livros como eu leio (aliás, ela só foi se formar no EM depois dos 60!), não me lembro de ver a minha mãe saindo com as amigas, não me lembro de vê-la gastando do tempo dela para si mesma. Acho que o tempo dela era só esse do box mesmo. Portanto, mesmo que ela mostre-se feliz por ter conseguido cuidar de seus filhos de pertinho, reconheço que o custo foi alto. E tô aqui na mesma missão, cuidar dos meus. Acho que o box é o lugar de mais relaxamento mesmo, mas eu ainda escuto choro lá de dentro, mesmo que não tenha ninguém chorando. Uma loucura!
eu to rindo aqui com o arroto do ralo hahahaah agora a julia aprendeu tambem o valor desse grito de guerra "vou tomar meu banho"